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O Rearmamento Moral (hoje Iniciativas de Mudança) chega na América Latina - História contada pelo Luis Puig

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Fatos da história da chegada do Rearmamento Moral na América Latina

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Em 1932, Frank Buchman visitou México e Peru, porque ele já queria que suas ideias deveria chegar a América Latina. Mas foi em 1948, em São Paulo, que Leonor e Luis Villares conheceram o Rearmamento Moral, hoje Iniciativas de Mudança. Em 1949, eles decidiram comprar uma mansão que servisse de sede para o movimento no Brasil, na Rua dos Franceses, e assim continuaram trabalhando pela ideia. Em 1950, Ernesto e Maria Widericksen, que dirigiam uma grande companhia têxtil em São Paulo, começaram a realizar uma tarefa e aconteceram várias mudanças pessoais nesses trabalhadores. As relações melhoraram. Então decidiram enviar uma delegação da companhia Argos a Caux. Em 1951, Buchman decidiu que um grupo do RAM visitasse a América Latina e enviou uma delegação que visitou vários países: Peru, Argentina, Chile, Brasil, Venezuela, Costa Rica e Guatemala. Depois dessa visita, Buchman pensou que o RAM deveria começar na América Latina por Brasil e então enviou uma delegação de 3 jovens dinâmicos de diferentes países e eles começaram a trabalhar nos portos de Rio de Janeiro e Santos, em 1951.

O Rearmamento Moral chega à América Latina

Em 1932, Frank Buchman visitou México e Peru, porque ele já queria que suas ideias deveria chegar a América Latina. Mas foi em 1948, em São Paulo, que Leonor e Luis Villares conheceram o Rearmamento Moral, hoje Iniciativas de Mudança. Em 1949, eles decidiram comprar uma mansão que servisse de sede para o movimento no Brasil, na Rua dos Franceses, e assim continuaram trabalhando pela ideia. Em 1950, Ernesto e Maria Widericksen, que dirigiam uma grande companhia têxtil em São Paulo, começaram a realizar uma tarefa e aconteceram várias mudanças pessoais nesses trabalhadores. As relações melhoraram. Então decidiram enviar uma delegação da companhia Argos a Caux. Em 1951, Buchman decidiu que um grupo do RAM visitasse a América Latina e enviou uma delegação que visitou vários países: Peru, Argentina, Chile, Brasil, Venezuela, Costa Rica e Guatemala. Depois dessa visita, Buchman pensou que o RAM deveria começar na América Latina por Brasil e então enviou uma delegação de 3 jovens dinâmicos de diferentes países e eles começaram a trabalhar nos portos de Rio de Janeiro e Santos, em 1951.

Neste mesmo ano, José Figueres, então presidente de Costa Rica (pronto a liderar uma grande rebelião naquele país) conhecia o RAM em Maimi juntamente de um jovem sindicalista, Luiz Alberto Monre – que também chegou à presidência da Costa Rica anos depois. Em 1952, um grupo de pilotos da Eastern Airlaines, National Airlines, Panamerican Airways visitou vários países da América Latina, entre eles Guatemala, contando como essas companhias tinham resolvido conflitos trabalhistas muito sérios nos Estados Unidos. O gerente local da Panamerican Airways, Sr. Wilson, se entusiasmou e decidiu mandar uma delegação a Mackinak Island, o 2º centro mais importante do RAM, e convidou várias pessoas, inclusive dois homens do Sindicato de Serviços Aéreos – o presidente e o secretário de conflitos (Luis Puig, também membro do Partido da Ação Revolucionária, que dava a ele grandes dores de cabeça). Este convite provocou um protesto enorme dos grupos de esquerda e Puig insistiu que o sindicato deveria enviar uma delegação. Como resultado, foi expulso de seu cargo e o presidente do sindicato também, mas Wilson manteve o convite para eles. Foi assim que Puig e Herrera conheceram o RAM.

Em 1952, os portuários de Santos já haviam conhecido a ideia. Na época, como um choque, descobriu-se que o secretário de finanças da célula comunista que operava no Porto publicamente confessou que fez mal uso do dinheiro do sindicato – e renunciou. Todos o acusaram de “traidor! ladrão!” e etc, e o membro mais antigo do partido comunista se pôs de pé e disse: “Nós devemos respeitar um camarada que tem a coragem de admitir as suas desonestidades. Peço que respeitem ele”. Todo mundo se calou, e Carlos Anselmo, que assumiu o desvio de dinheiro, se retirou. Ele começou a trabalhar pelo RAM ativamente, resultando no surgimento de uma equipe no Porto de Santos. Esta equipe eventualmente convidou os portuários do Rio de Janeiro, onde ao mesmo tempo havia acontecido uma reconciliação assombrosa entre Nelson Marcelino de Carvalho e Damásio Cardoso, que eram inimigos mortais – um dirigia o sindicato legal e o outro, o sindicato ilegal. Quarenta portuários do Rio de Janeiro se encontraram com os portuários de Santos em um sítio em São Paulo, e foi se reafirmando a mudança entre essas duas equipes.

Os portuários do Rio foram a Caux através de um avião fretado, custeado pela família Villares, nesta época proprietária da maior siderúrgica da América Latina. Em Caux, os portuários encontraram Frank Buchman e contaram a ele a história da transformação dos portuários, tanto do Rio quanto de Santos. Buchman afirmou que “O Brasil é conhecido por exportar o melhor café para o mundo. Que tal seria o Brasil exportar a melhor ideia?” Eles ficaram pensando e finalmente decidiram fazer um filme, aceitando o desafio de Buchman. Assim nasceu “Homens do Brasil”, filme custeado através de doações de vários portos do mundo, assim como de indivíduos que acreditavam na ideia. O filme foi dublado em 12 diferentes idiomas e percorreu o mundo. Carlos Anselmo dedicou-se, juntamente com sua esposa, ao RAM por tempo integral e viajou a várias partes do mundo, levando a ideia, contando de sua transformação pessoal, etc.

Em 1955, um ex-comunista chamado Péricles Martins realizou mudanças muitos significativas em Santo André, SP, na indústria têxtil. Ele também dedicou tempo integral ao RAM. Pouco antes, em 1954, Puig foi nomeado delegado à Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, e o Presidente da Guatemala enviou um delegado a uma assembleia do RAM na Ilha Mackinac, e também começou a realizar algumas mudanças no país, mas foi assassinado em 1957. Desde então, nada foi feito na Guatemala em função da sucessão de ditaduras.

Em 1956, Puig sentiu que deveria ajudar a essa ideia, e decidiu se dedicar em tempo integral ao RAM. Houve um momento em que foi convidado à Inglaterra por Frank Buchman. Em Caux, o fundador do RAM o fazia sentar-se nas primeiras fileiras, em eventos onde ele recebia pessoas importantes. Era tratado com muita cerimônia, mas não o pediam pra falar. Ele queria falar, mas estava aborrecido nos últimos dias, e resolveu sair dali. Mas alguém lhe disse: “Você já viu o que Frank Buchman está tentando fazer com você?” Puig disse que não entendia, pois apesar de sentar na primeira fila, Buchman nunca o apresentava ou o deixava falar. “É que ele está treinando você”, o camarada disse. De repente a ficha caiu. Vendo todos aqueles ministros, presidentes de sindicato ali, etc, Puig parou e começou a prestar a atenção. A partir dali começou a trabalhar nos EUA, Canadá, entre outros países.

No Uruguai, Omar Ibargoyen se entusiasmou muito com o RAM e começou a mobilizar as pessoas no país. José Alonso, um dos irmãos Alonso campeões mundiais de tênis, era casado com uma herdeira de uma grande marca de tintas. Possuíam bens, incluindo residência em alguns lugares. O casal tinha uma filha muito difícil e rebelde. Estava com um namorado cujo relacionamento a mãe não aprovava, mas só para enfrentá-la, seguiu o namoro. A família assistiu a uma assembleia na Ilha Mackinac, quando houve uma reconciliação muito emocionante entre elas. O nome da moça era Jeanette, e foi nessa ocasião que Luis e Evelyn Puig a conheceram, e depois conheceram Omar, com quem Jeanette se casou.

A mudança de Omar foi realmente impressionante. Ele pediu desculpas a sua mãe por todas as falcatruas que tinha feito. Diariamente ele tinha, de forma disciplinada, seu momento de silêncio. Quando seus irmãos discutiam a herança da família – algumas fazendas, edifícios - Omar teve o pensamento de ficar com uma determinada casa no centro de Montevidéu, e renunciar ao resto da herança. Os irmãos deram graças a Deus, pois aquela casa não valia muito na época. Ele ficou então com a casa e o terreno ao lado, além de uma fazenda distante da cidade. Posteriormente foi construído, junto da tal casa, um túnel, levando a um crescimento do movimento local e consequente valorização do imóvel. Hoje, a Fundação Omar Ibargoyen é mantida com os aluguéis desse imóvel.

Jeanette, sua esposa, vive até hoje em Montevidéu, e é uma das fundadoras (com Omar, Jeanne e Bernard Pâris) do movimento Gente Que Avanza, no Uruguai.

Em 1957, Bráulio Alanis, do Uruguai, teve uma transformação pessoal e se reconciliou com seu pior inimigo. Os dois, com suas esposas, assistiram a uma assembleia do RAM e contaram sobre sua transformação e iniciaram uma grande ação no Uruguai, culminando na criação de uma equipe de 30 a 40 pessoas que mobilizaram no país.

Em 1964, já com diversas mudanças realizadas, Leonor Villares teve a ideia de comprar um sítio, um lugar que pudesse servir como um centro nacional. Ao contrário do que pensaram as pessoas, ao invés de São Paulo, Leonor pensou num lugar em Petrópolis, e assim nasceu o Sítio São Luiz.

O Sítio São Luiz, que já possuía esse nome batizado pelo então proprietário, custava um preço muito alto na época de sua compra. Não era possível comprá-lo a vista, e uma pessoa então sugeriu que se escrevesse a um dos donos, o principal deles, Sr. Frankl, que ora morava na Austrália. Frankl, que foi presidente da Câmara de Comércio Brasil-Austrália, quando soube que a venda era para o RAM, mandou um telegrama para seu irmão, dizendo: “Faça 50% de desconto no preço, e venda o restante a prazo, pois tenho que agradecer ao RAM”. Nunca se soube o que ele tinha a agradecer ao movimento, mas a notícia foi recebida com alegria, e o Sítio foi comprado. Houve outras contribuições para essa compra, como uma pessoa que tirou seu colar de pérolas e o ofereceu como contribuição.

O Banco Bradesco contribuiu com 25% do valor pedido, através do pedido de Leonor Villares, Elza de Araújo e outras senhoras de São Paulo, que visitaram Amador Aguiar, então presidente do banco na ocasião. Sra. Elsa, no curso da conversa, disse a Aguiar: “O Sr. acredita em Deus?”. Ele respondeu: “Claro! Sou muito religioso”. Ela continuou: “O Sr. sabe que Deus fala ao coração de pessoas?”. “Sim, claro, todos os dias dedico tempo a escutar a Deus”, ele continuou. Ela seguiu em frente: “Bom, Deus pôs no meu coração que o Sr. vai contribuir com 25% do valor do Sítio”. Amador Aguiar ficou silencioso por um tempo e depois disse: “Me dá 24 horas para pensar. Em 24 horas darei a resposta”. E exatamente um dia depois, Aguiar telefonou e disse: “Pode passar e pegar o cheque”.

Os portuários organizaram um grande churrasco para ajudar a financiar a compra do Sítio São Luiz. Quinhentas pessoas participaram, o local estava cheio. O prefeito de Petrópolis deu um boi inteiro para fazer o churrasco. O exército emprestou os pratos e algumas coisas para mobiliar o Sítio, já que o lugar não tinha móveis, não tinha nada nessa época. Finalmente, depois de certo tempo, o Sítio São Luiz havia sido pago.

Puig foi à Argentina fazer a dublagem e legendas de filmes do RAM para que pudessem ser usados na América Latina. Foi quando, nessa época, decidiu pedir Evelyn Fils em casamento. Casaram-se no Peru, foram aos EUA e depois ao Brasil, para uma curta visita. Neste país, foram convidados a ficar para trabalhar no Sítio São Luiz, que se encontrava, na época da compra, em condições bem ruins. Pouco a pouco, foi bastante usado já naquela época, com reuniões com portuários.

Esses mesmos portuários, já mais organizados, pretendiam levar sua ideia para os demais portos do mundo. Queriam ir à Itália e outros países, mas certamente essas viagens significariam um custo elevado. Alguém lançou um desafio: “Tenham direção!”. Um portuário chegou com uma ideia: “Vamos visitar o dono de uma empresa de navegação”. O proprietário da Costa Lines estava temporariamente no Brasil, e era entusiasta do RAM.

Nelson Marcelino e outro portuário visitaram o Sr. Costa e contaram o que desejavam fazer na Europa. Como resultado, conseguiram as passagens não só para a Itália, mas para vários outros países.

Nesta época, já havia sido realizado algo no México. Lá, um engenheiro que trabalhava na construção de grandes usinas hidroelétricas foi visitado por um suíço amigo de Frank Buchman, dono de uma companhia de aparatos elétricos na Suíça, e assim ele conheceu o RAM. Na conversa, o suíço afirmou que, nessa atividade, há muita corrução. Chegou a afirmar que não iria trabalhar com eles, que não faria o projeto. A corrução que se insinuava na construção dessas hidroelétricas parou o México. Como resultado, o engenheiro impôs a condição, para fazer os projetos, que tais hidrelétricas deveriam ser construídas sem qualquer ato de corrupção. Ele, com sua esposa e filhos, viveram a ideia do RAM até seus últimos dias.

O trabalho no país foi crescendo bastante. A ação em Monterrey foi bastante produtiva. Contudo, o espírito de desconfiança assolava a equipe no país. Frank Buchman, desde o início de suas visitas em 1932, passava as suas ideias a quem fosse. Certa vez, num taxi, conversava com o motorista. Os entendimentos foram tão profundos que o homem transformou-se radicalmente. Tanto assim que, 50 anos depois, alguns do RAM foram ao México e lá encontraram o homem, já velho, que disse: “Nunca esquecerei o que o Sr. Frank Buchman conversou comigo.” Isso norteou a vida dele.

Certa vez, Luis Puig e Jean Fortoyver, um barão austríaco, foram ao México para obter o imprimatur do Arcebispo mexicano para a publicação de um livro em espanhol. O livro era sobre um padre e grande filósofo católico que havia escrito sobre o RAM.

Puig e Jean chegaram num sábado ao México e no dia seguinte foram à missa. Para isso, carregavam o missal em mãos. Notaram, estranhamente, que muitas pessoas ficavam olhando para eles na rua.

Quando retornaram ao hotel, o gerente os recebeu com um sorriso e disse: “Os senhores são valentes! Vocês se atrevem a sair na rua com esse livro na mão!” Puig e Jean não entenderam nada. “No México é proibido”. Os homens então começaram a investigar, e notaram que aquele era um país essencialmente ateu. A constituição é ateia, que inclusive prevê a proibição de qualquer demonstração religiosa nas ruas. Levar um livro que parece uma bíblia nas mãos era uma demonstração religiosa. Eles poderiam ser presos.

Para se realizar o Dia de Guadalupe, por exemplo, os homens montavam a cavalo e usavam seu revólver ostensivamente. Eles iam ao lado da procissão mexicana, protegendo essa grande celebração no México. O país, mesmo antes desses tempos, é dividido por um ateísmo muito grande, mas também por uma fé católica muito forte.

Eles visitaram a Universidade Católica, e foram recebidos por algumas pessoas. Ao longo da conversa, descobriram que eles eram padres, mas não podiam, naquela época, usar batina nem tampouco o colar romano.

O trabalho do RAM no México teve altos e baixos. Houve uma efervescência bastante grande, mas depois se apagou. Isso aconteceu algumas vezes, e as pessoas acreditaram muito no avanço do trabalho. Agora, com uma pequena equipe, há esperança.

Em 1964, Peter Howard, sucessor de Frank Buchman, visitou o Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Peru, levando muitas outras pessoas nessa missão. Nesses países já existia uma base de trabalho do Rearmamento Moral. No Brasil, falou francamente aos militares da ditadura: “A revolução de vocês não levará a lugar nenhum, pois não toca o coração das pessoas”. Ele falou no Itamaraty, aos militares, aos jornalistas, etc. No Chile já havia uma equipe que estava atuando, bem como nos demais países.

Quatro ou cinco dias depois de estar no Peru, Peter Howard adoeceu e morreu, depois de uma severa pneumonia devido ao clima muito seco e poeirento. Nunca chove. Quando chove, é uma garoa, e chega a ser notícia de jornal. Howard recebeu honras de chefe de estado, o salão principal da Prefeitura de Lima se abriu para receber o velório, acompanhado de sua esposa, que o acompanhava nessa missão.

Com a semente plantada nessa missão de Peter Howard, a equipe do Peru cresceu bastante. Os estudantes de São Marcos eram, em sua maioria, de esquerda, mas a esperança dos dirigentes cubanos (os irmãos Castro) era criar, no Peru, a segunda base para operação do partido comunista na América Latina, depois de Cuba. Mas a mudança ocorrida com esses estudantes foi significativa. Havia um homem chamado Campos Lamas que era dirigente estudantil na Universidade São Carlos. Chamavam ele de “estudante eterno” – chegavam os exames e não se apresentava. Contudo, como membro integral do Partido Comunista, sua tarefa era arregimentar mais e mais membros entre os estudantes, visando o futuro do partido no Peru, que já era bem grande no país.

Nessa época chegou “O Tigre”, uma peça teatral escrita por estudantes japoneses que haviam sido de esquerda. Lamas sentiu que muitos estudantes peruanos se entusiasmaram com a ideia e proibiu que assistissem. Solomo Espinosa, seu lugar-tenente, sugeriu a Lamas: “Por que não organiza um debate? Se nossa ideia é suficientemente poderosa, nós vamos ganhar esse debate com os estudantes japoneses. Campos Lamas aceitou. O debate ocorreu no hotel mais distinto de Lima. Lamas queria que houvesse ocorrido um lugar popular, mas Solomo propôs: “Por que não no ‘antro’ dos capitalistas’?” Assim houve a reunião, uma discussão longa, enorme, onde os estudantes japoneses apresentaram seus argumentos pois, como revolucionários, tinham decidido mudar, colocando suas ideias de forma bem convincente. Finalmente Campos Lamas disse: “Bom, nosso debate não está chegando a lugar nenhum. Nem vocês nem nós estamos chegando a nenhuma conclusão e então é melhor cancelarmos.” E nesse momento, para sua surpresa, Espinosa pergunta: “Lamas, o que te passa? Tens medo? Nós, como revolucionários, estamos buscando a verdade, e o caminho mais prático para construir um mundo novo. Me parece que o Rearmamento Moral tem esse caminho novo. E se tu tens medo, não estás ajudando à conclusão desse debate.” Campos Lamas se exaltou, dizendo “És um traidor”, entre outras coisas, e se retirou. Como resultado, Solomo Espinosa e os estudantes de esquerda, que tinham se entusiasmado com o RAM, ficaram com o grupo de japoneses, e Campos Lamas se retirou com 2 ou 3 dos estudantes de esquerda. O fato é que os estudantes peruanos decidiram escrever uma peça teatral contando cada um a sua história, e um diretor de teatro lhes disse: “Juntem tudo numa história só”, e foi assim que surgiu a peça “O Condor”, com a atuação dos próprios estudantes peruanos, tendo sua estreia em 1965, em Petrópolis, no Hotel Quitandinha. Daí avançou para a Itália, Suíça, França, Canadá, entre outros, com muito sucesso.

Em 1967, Luiz Pereira conheceu o RAM e começou a trabalhar com as comunidades. Ele teve a direção de encontrar o Ministro do Interior e expor seus planos: ajudar sua comunidade do Morro São João, tirar as pessoas de onde estavam. Seu plano não foi aceito, e o Ministro do Interior decidiu apresentar um novo plano: construir um bloco de apartamentos no bairro do Lins de Vasconcellos, para onde posteriormente a comunidade fora transferida. Luiz Pereira seguiu trabalhando pelas comunidades, fez reuniões no Sítio São Luiz, mobilizou pessoas.

Em 1970, Puig começou a trabalhar na Varig Linhas Aéreas, apesar de que, ao início, a equipe não estava de acordo, pois trataria de deixar o RAM. Puig defendeu-se dizendo que não deixaria o trabalho, mas dedicar-se-ia às duas tarefas. Pouco a pouco, dirigentes do RAM e equipe estiveram de acordo. Acordava às 4h da manhã, e saia às 6h da rodoviária de Petrópolis, tomando o ônibus em direção ao Rio de Janeiro, chegando às 7h30 no trabalho. Após o expediente, que encerrava às 5h da tarde, tomava o ônibus de volta a Petrópolis. Eles não tinham carro nessa época, tampouco telefone. Luis Puig subia a ladeira Nelson Marcelino a pé, à noite. Depois de um tempo, cansou disso tudo, e propôs a sua esposa que se mudassem ao Rio de Janeiro. Feito isso, outras pessoas assumiram a administração do Sítio São Luiz.

Vários países foram visitados na América Latina, como o México e Guatemala. Neste último, o Ministro do Trabalho, durante a ditadura, permitiu a realização de uma grande reunião das Américas num local do governo, podendo-se afirmar que tenha sido a primeira de tantas outras que ocorreram até os dias atuais. Estiveram presentes pessoas do México, El Salvador, Costa Rica, Argentina, Uruguai, Chile, além de Holanda, Inglaterra e de países do continente africano. Foi realizado um contato muito importante com os indígenas, quando houve a reunião no Lago de Atitlán, um lugar belíssimo na Guatemala. Um pacto foi realizado, onde indígenas e brancos falavam sua própria língua (maia e espanhol) e contavam com tradução simultânea. De repente, surgiu uma pessoa que se declarou prefeito indígena de uma determinada cidade, convidando pessoas do RAM a ir até sua cidade em San Antonio Palopó, o que significava cruzar o lago. Foi quando pessoas de diferentes países tiveram a oportunidade de falar com os indígenas. Na ocasião estava Dr. Paul Campbel, do Canadá, que encontrou um médico indígena, que lhe contou de sua dificuldade de atender especialmente às mulheres grávidas, pois não tinha aparelhagem. O canadense ofereceu então ao Dr. Sakimuti toda sua aparelhagem, já que no Canadá renovava-se toda a aparelhagem dos consultórios a cada ano, ou a cada dois anos, descartando a existente ao lixo ou cedendo a outros países. Dr. Campbel conseguiu a aparelhagem descartada no Canadá para equipar a tribo do Pajé Sakimuti, na Guatemala.

O começo o trabalho ia bem na Guatemala, mas aí veio outra ditadura, e não foi possível entrar mais.

Em El Salvador, duas pessoas foram convidadas pelo sogro de um dos membros de Gente Que Avanza. Seu genro escreveu sobre a ideia, o que levou ao convite. A visita a El Salvador foi recebida em meio a rajada de metralhadora, tiros de fuzil, apagões na capital, ou seja, luta de guerrilha em meio à ditadura.  Os homens ficaram hospedados num hotel a meia-luz. Conversaram com a pessoa que os havia convidado, o Sr. Molina, com sua esposa, que os escutaram com muita desconfiança, muito sérios. Eles os levaram a almoçar num restaurante em frente a um grande vulcão. Sentados, Molina lhes disse: “Olha esse vulcão. Aí estão escondidos esses guerrilheiros, e não se pode fazer nada contra eles, pois estão muito bem escondidos, bem aparelhados. Quando terminaram o almoço, o Sr. Molina arregaçou as mangas, nos abraçou e disse: “Quando começamos?”. Os homens ficaram parados. Ele continuou: “Vocês me convenceram. Essa ideia vai fazer algo para o meu país. Sua esposa disse: “Eu estou com medo por meu marido”. Ela era governadora de uma província de El Salvador, e todos os homens que tinham sido governadores dessa província haviam sido assassinados. Ninguém queria aceitar o cargo. Foi quando ela disse: “Eu aceito”, quando na ocasião tornou-se a única mulher governadora de Santa Tecla, e não foi assassinada.

Eduardo Molina fez muitas coisas significativas por El Salvador, e uma delas foi organizar um simpósio que se chamava “A responsabilidade é tarefa de todos nós”, convidando direita, esquerda e centro para o evento. Em meio a bombas e rajadas de metralhadoras, o simpósio aconteceu com a participação de vários representantes de países, inclusive da América do Norte, através dos EUA, Canadá, chegando a ter também amigos da Inglaterra. Foi informado, no simpósio, o que foi possível sobre o RAM. Como resultado, algumas pessoas em El Salvador começaram a transformar-se, chegando a ser formado, à liderança de Molina, uma equipe com 72 pessoas.

Em reuniões por ele convocadas, pelo menos 50% assistiam, geralmente na hora do almoço, em dias de trabalho. Em local previamente escolhido, ele sabia quantos aproximadamente viriam e encomendava as refeições nas ditas “quentinhas”, em caixas, e cada participante pagava por sua refeição. Enquanto almoçavam, ocorria a reunião. Eram reuniões interessantíssimas, pois ali decidiam o que fariam, os próximos passos, etc. Chegaram a ter contato com pessoas do governo de El Salvador e houve uma reunião na corte suprema de justiça. A Corte fez um apelo para os guerrilheiros e a todas as pessoas para que terminassem o conflito, para que houvesse uma reconciliação no país. Não se sabe se o RAM teve influência ou não, mas foi organizado um Encontro das Américas no Brasil onde estiveram Eduardo Molina e sua esposa, quando de repente se ouviu o anúncio pela televisão: “No México, os chefes guerrilheiros se abraçaram com os representantes do governo de El Salvador.” Aí se decidiu a celebração da paz em El Salvador, fazendo com que Molina voltasse imediatamente ao país: “Não posso ficar aqui, longe desses acontecimentos”, ele disse. Os companheiros presentes no Encontro ajudaram-no com a multa da mudança de data do voo de retorno.

Quando ele chegou a El Salvador, após a aterrisagem, a todos os passageiros foi pedido que ali ficassem e que somente o casal Molina se levantasse e fosse à frente. Um pouco assustado por não saber do que se tratava, ele obedeceu e, quando desceu da aeronave, havia, ao pé da escada, duas filas de soldados da Organização das Nações Unidas. Atravessou o corredor humano e ao final encontrou sua filha: “Pai, assina aqui”. Ele perguntou: “O que é isso?!”. Ela respondeu: “É um autógrafo”. Ali descobriu que tinha sido um dos três notáveis, ao lado de um ex Presidente e um famoso Jurista, para a Comissão da Verdade. Para ele foi um momento emocionante, pois tudo fora surpresa.

Um dos homens de esquerda confessou que tinha comprado todo o armamento para juntar-se aos guerrilheiros, mas durante um Encontro das Américas, no Brasil, encontrou e descobriu uma ideia melhor, desistindo de seu plano inicial e revendo seu olhar sob a ótica do Rearmamento Moral. Este rapaz chegou a Prefeito de São Salvador (capital de El Salvador).

Dali em diante, o trabalho em El Salvador continuou até aproximadamente 1978-79, ou talvez até início dos anos 1980, quando se trabalhava com juízes, sindicalistas, etc. Eduardo e sua esposa faleceram e em seguida não houve locomotiva para continuar o trabalho no país. A equipe de 72 pessoas se desorganizou e perdeu-se o contato com o RAM em El Salvador.

Em Nicarágua foram realizadas várias reuniões e eventos, com destaque para a personalidade de Tita Aquino, uma guerrilheira. Foi exilada durante a ditadura na Guatemala, passando a morar na Nicarágua, onde o governo Sandinista a protegeu. Passou a trabalhar no Banco de Nicarágua. Evelyn e Luis Puig visitaram Tita, que lhes mostrou sua biblioteca, com livros como O Capital, de Karl Max, entre outros. Sua irmã gêmea (realmente muito parecida fisicamente) era muito religiosa, bastante diferente de Tita. Com o tempo, ela começou a mudar.

Certa vez, Tita visitou Guatemala, arriscando-se. Acontece que ela tinha jurado o pai de morte. “O dia que encontrar meu pai, lhe dou uma rajada de metralhadora”, dizia. A questão é que seu pai a havia abandonado, e a filha não o perdoara. Sua irmã gêmea sim, o perdoou, o visitava inclusive, especialmente quando adoeceu, ajudando como possível. Nessa ocasião, Tita foi visitá-lo. Quando ele a viu entrar, disse: “Ah, graças a Deus, que bom que você veio, eu estou paralítico, me sinto sozinho, não tenho com quem falar”, etc. Tita ficou olhando para ele e disse: “Eu não sou Menti, sou Tita”. O homem ficou branco, pois sabia que a filha tinha jurado ele de morte. Então ela começou a chorar e disse: “Vim te pedir perdão”. Ao final se abraçaram, choraram e houve a reconciliação.

Tita começou a trabalhar com RAM na Nicarágua. Quando havia reuniões, elas precisavam acontecer fora das casas, pois era muito quente. Assim, as reuniões ocorriam nas varandas e as pessoas se sentavam em cadeiras de balanço, as ‘abuelitas’. Certa reunião na casa de um dos integrantes da equipe, percebeu-se que em frente morava uma família cuja ideologia política era de esquerda, de apoio ao sandinismo.

Nesta família, a mãe parecia vigiar a reunião da casa em frente. Atrás do seu muro, escutava as conversas da reunião. Tita sabia de tudo mas pensava: “Vamos dar bastante RAM para ela, para que possa escutar”, e assim as reuniões continuavam. Certa vez, Tita soube que esta senhora havia adoecido, estava de cama, e disse: “Vamos visitar ela”. Todos lhe perguntaram sobre como iriam visitar uma mulher de esquerda, mostrando preocupação por ser contra o grupo. Ela disse: “Não importa, vamos visitá-la e oferecer apoio”.

A visita foi feita e a senhora ficou assustada. A divisão entre os de esquerda (sandinistas) e os de não esquerda (não sandinistas) já era muito grande na Nicarágua, e perdura até hoje. Tita lhe disse: “Olha, estamos precisando, em nossa pequena organização, de uma secretária de finanças! Será que a senhora poderia nos ajudar a organizar nossas finanças?”. D. Joana, esta senhora, aceitou o convite e passou a trabalhar com o RAM.

Certa vez, com a previsão de um encontro na Costa Rica, a equipe de Nicarágua, muito pobre, não se viu em condições financeiras de ir até lá. D. Joana, já integrada, organizou o fechamento de sua rua para uma festa de comidas típicas nicaraguenses. Com as vendas, através da participação de muitas pessoas, foi possível financiar a viagem da equipe até a Costa Rica. Suas ideias sandinistas haviam ficado pra trás. Ela estava 100% com o RAM.

O trabalho avançou bastante. Numa das últimas reuniões ocorridas no país, naquela época, houve um ato público em uma escola do governo, onde se convidou muitos sandinistas. Nesta reunião, Michael Olson, americano, falou honestamente sobre sua vida passada, sobre seu relacionamento com sua mãe, como havia sido honesto com sua família, enfim, contou sua história. Ao final, Michael foi rodeado por sandinistas, incluindo um, em especial, bastante influente no meio de esquerda, que abriu sua camisa e lhe mostrou uma medalha. Michael se adiantou e disse: “Ah, o retrato de Che Guevara?”, e o outro respondeu: “Não, não, é de Jesus Cristo”. Ele guardou a medalha e começou a chorar. O homem usava a medalha escondido. “É o primeiro norte-americano que, em toda minha vida, escuto sendo absolutamente honesto”, disse, em seguida contando sua própria vida para Michael. Isso levou outros sandinistas, ali, a se abrirem também.

Foi dessa forma que o RAM conseguiu acessar o grupo de esquerda na Nicarágua até certo ponto, pois adiante esse acesso foi cortado, tornando-se muito difícil o trabalho depois. Até os dias atuais, tem sido muito difícil trabalhar lá. A equipe dissolveu, restando hoje duas ou três pessoas com quem ainda se tem algum contato.

Tita vive atualmente na Guatemala com seus filhos e netos, em contato com o RAM através de Killy Sanchez, acompanhando-a com os indígenas em Chimaltenango, entre outras coisas.

Na Costa Rica, país da América Central onde começou o trabalho do RAM, é preciso destacar a transformação de Eliézer Cifuentes. Ele envolveu-se na luta contra a ditadura na Guatemala e, em certo momento, os militares lhe deram ordem de captura. Eliézer fugiu da sua casa e, no trajeto para exilar-se na embaixada da Costa Rica, dispararam uma metralhadora contra ele. Isso explica porque seu braço direito, dali em diante, ficou paralisado para sempre. Apesar disso, vive bem.

Depois de ir até a embaixada de Costa Rica e ali ficar por alguns dias, recebeu o “salvo-conduto” e foi levado à Costa Rica. Traumatizada, a filha de Eliézer, Pércida, começou a sofrer convulsões. Eliézer estava consumido pelo ódio contra os militares.

Em uma das reuniões do RAM no país, ele conheceu Laurie Vogel, inglês, que lhe perguntou sua religião. “Sou evangelista, protestante”, disse. Laurie continuou: “Bom, você, como protestante, ama todo mundo, ama a humanidade”. Eliézer respondeu: “Claro! Considero que todos são filhos de Deus.”. Certamente Laurie queria chegar a algum lugar e continuou, perguntando sobre os militares. Com o rosto queimando e vermelho, Eliézer não respondeu e foi embora.

Contudo, essa pergunta o deixou pensando. Dias depois, ele decidiu visitar a embaixada guatemalteca na Costa Rica – coisa que nunca havia feito. Em conversa com o adido militar, pediu desculpas por seu ódio. O homem o escutava silenciosamente, olhando-o, e quando Eliézer terminou de contar toda a história, o homem disse: “Quem deu a ordem de captura e de disparar contra você fui eu.”. O homem pediu desculpas e se abraçaram.

Dias depois, esse militar foi até a casa de Eliézer para jantar, e ali também estava, com a família, a filha que tanto fora traumatizada. Mais um passo de reconciliação aconteceu.

Somente depois disso, Eliézer conseguiu visitar a Guatemala, depois de muito tempo. Foi aí que começou sua transformação. Na Costa Rica começou a ser formada uma equipe. Até hoje Eliézer tem continuado a lutar, apesar dos altos e baixos na composição da equipe local. A filha vive normalmente, recuperada das convulsões, casada e com seus filhos, morando nos Estados Unidos. Ele a visita, assim como sua outra filha, com certa regularidade. Sua esposa, que durante toda a tormenta rezava diariamente por uma mudança em seu coração, aprovou integralmente a atitude de Eliézer. Cel. Cicabiza, o militar que se reconciliou com ele, também se transformou muito e retornou à Guatemala.

Quando jovens, Luis Puig e Cicabiza, que por coincidência se conheciam, praticavam faca ao alvo. Ele ainda não havia entrado na escola militar. Cicabiza certa vez perguntou: “Luis, porque temos que praticar essa porcaria?”. Luis respondeu que precisavam estar prevenidos contra os reacionários, que podem atacar e tomar o poder. Na verdade, eles eram os revolucionários, e os reacionários eram do partido de direita. Cicabiza, com a faca na mão, disse: “Não, Luis, eu não vou mais praticar isso.” Não se viram mais, mas soube que ele entrou na escola militar, e seus rumos se distanciaram. Luis Puig depois se tornou coproprietário de uma rádio difusora que se chamava Rádio Novo Mundo, com certa intenção de fazer proselitismo para o povo. Contudo, percebeu que mais era um empreendimento comercial que uma ferramenta de influência. O governo de esquerda se aproveitava desse canal de comunicação para fazer todos os anúncios de suas empresas estatais, pagando pelo serviço, que incluía música, marimba, vinhetas, etc, mas nada de proselitismo de fato.

Três ou quatro anos depois, Puig disse ao seu sócio, Humberto Gonzalez: “Humberto, não posso seguir com você”. Naturalmente ele pediu explicações e Puig foi honesto. Apesar das insistências dele, Luis estava convencido que não deveria continuar. Ele deixou essa rádio e foi trabalhar noutra que se chamada Rádio Internacional, também na Guatemala. Foi mais ou menos a época em que conheceu o RAM.

Luis Puig até tentou levar o RAM para Humberto mas, apesar de escutá-lo pacientemente, não se convenceu. Ele era relativamente corrupto. Na ocasião, como político, ele havia aprovado uma lei que proibia que navios norte-americanos transportassem as bananas de Guatemala. Isso levou à parada de toda a exportação da fruta. Aproveitando-se, Humberto alugou navios de Santo Domingo, Cuba, entre outros países latinos, para fazer o transporte. Ganhou muito dinheiro.

Humberto chegou a ser candidato a Presidente da República, mas não ganhou. Quando a revolução ocorreu na Guatemala e a direita tomou o poder, ele precisou sair correndo do país. Anos depois regressou – mais corrupto que antes. Tinha um cinema que passava filmes pornográficos, e com isso ganhava muito dinheiro também. Nunca deixou de conspirar e atrapalhar as atividades de outras pessoas. Já sem contato, Luis soube apenas que ele foi assassinado com uma rajada de metralhadora, quando parado estava num lugar qualquer.

O trabalho na Colômbia começou nos anos 1962-63. Foi realizado contato com os sindicalistas colombianos, e na ocasião muitos foram mortos, pois a situação no país era muito ruim. Em 1965, Luis Puig – que na ocasião morava no Peru, pouco antes de se casar com Evelyn - foi convidado a ir à Colômbia, onde foi realizado um trabalho com os mineiros de carvão e ouro. Ali era realizado um bom trabalho de RAM, com uma boa equipe que percorria várias cidades.

Na Colômbia havia um homem, um monsenhor, com uma grande visão para o país. Sr. Salcedo tinha uma rádio, por onde procurava alfabetizar aos mais pobres e aos indígenas.

Na ocasião a equipe da Colômbia era dirigida por Peter Hintzen. Quando se casou com Digna, ele não sabia que, na verdade, estava casando-se com a América Latina. Luis Puig e Peter eram muito amigos.

Em Cali, Luis e Evelyn Puig estiveram em uma assembleia, na fazenda de uma amiga. Haviam pessoas de São Paulo e de outros lugares do Brasil, além de nativos locais. Nessa oportunidade, Evelyn, que gosta muito de nadar, viu uma piscina. Rapidamente mudou de roupa e mergulhou. Infelizmente, a piscina não era usada por ninguém e estava infectada, já que os animais ali iam beber água. Evelyn teve uma infecção seríssima no ouvido direito, ficou hospitalizada por um longo tempo em Cali, e depois se transferiu ao Brasil. Ali ela perdeu parte de sua audição.

O trabalho na Colômbia foi pouco a pouco crescendo, de tal forma que sim, se pensava em fazer algo maior. Uma advogada, Sra. Heyde Duran, lutou grandemente pelo RAM em seu país. Esteve na Índia, Inglaterra, Caux, na Suíça,... em vários países, onde dava as notícias da Colômbia e regressava à Colômbia para continuar seu trabalho. Na América Latina, Heyde esteve na Argentina e também no Brasil durante vários Encontros das Américas. Carismática, sempre ajudava com as equipes locais, e levava muitas pessoas das favelas na Colômbia para conhecer o RAM.

Em meio a tudo isso, um terrível atentado se sucedeu com ela. No 6º andar de um hotel em Bogotá havia um restaurante de luxo, muito bonito, onde ela estava jantando, quando guerrilheiros detonaram uma bomba na base do edifício. O prédio colapsou, e Heyde foi encontrada no 2º andar, embaixo de algumas lajes de concreto.

Apesar de ter sido uma das poucas pessoas a ter sobrevivido a esse atentado, sua recuperação levou muito tempo. Com esse fato, a despeito de sua grande influência sobre o trabalho do RAM ali, a equipe da Colômbia foi encolhendo. Apesar de Peter e Digna manterem a chama viva do RAM na Colômbia, viajando pra lá com frequência, quando Peter faleceu, Digna sentiu muito. Depois de um tempo, ela retomou o ânimo e até os dias atuais é bastante ativa e próxima das equipes latino-americanas. Algumas pessoas daquele tempo ainda estão ativas na equipe, mas outras deixaram o trabalho. Fato é que as conexões com passado permanecem.

Posteriormente Helena e Bettina von Armin, mãe e filha, se aproximaram da ideia e, juntamente com outras pessoas, tem trabalhado atualmente na equipe local. Luis Carlos Ortiz, desde a época de Heyde, não perdeu o espírito do RAM, mas ainda permanece um pouco intimidado pelo encolhimento da equipe.

Na Argentina, o trabalhou começou em 1954-55, durante a Ditadura de Perón. Raul Migone, argentino, encontrava-se exilado no Uruguai, pois era de direita. Em certo momento, ele teve o pensamento de que teria um papel importante no futuro do país. Ele conversou sobre isso com algumas pessoas do RAM, sem saber explicar muito bem o porquê desse pensamento. Três dias depois, veio o telegrama: “Sr. Migone, o Sr. foi nomeado Ministro do Trabalho. Esperamos seu retorno imediato à Argentina”. Tratava-se do governo militar que teria derrubado Perón.

Luis Puig, na ocasião sindicalista, foi convidado por ele a ir à Argentina, além de um grupo de portuários do Rio de Janeiro, para ter contato com trabalhadores peronistas, que eram muito difíceis, chegando alguns a formar grupos terroristas após a queda de Perón, explodindo bombas por Buenos Aires. Entre os portuários estavam Nelson Marcelino, Damásio Cardoso e outros.

Em Buenos Aires havia um apartamento na Av. Figueroa Alcorta, onde Luis e Evelyn se conheceram. Certo dia, apareceu um alemão que perguntou: “Aqui é o centro do RAM?”. Diante de resposta positiva, continuou: “Este é o mesmo grupo de Oxford?”, e de novo teve resposta positiva. “Posso entrar?”. Entrou, se sentou e disse: “Eu conheci o grupo de Oxford. Neste grupo, nos ensinaram a pensar no mal que tenha causado. No bem que eu poderia fazer. E a pedir a Deus que me indicasse o caminho”. Puig ouvia-o, confirmando as informações. O alemão continuou: “Bom, passaram-se os anos e eu cheguei a um ponto em que conclui que não fiz nada de ruim. Depois, fiquei em silêncio e nenhum pensamento me veio. O que vocês me aconselham?”. Entre os presentes, alguns ofereceram algumas reflexões e chegaram a propor que trabalhasse em Avellaneda. “Sou chefe técnico da fábrica de vidro”, um deles disse. O alemão, Sr. Werner, saiu dali, não falou mais nada. Dias depois, retornou dizendo: “Eu tive o pensamento de convidar pelo menos duas pessoas para conversar com os trabalhadores peronistas”. Luis e Bráulio ficaram hospedados com ele.

Durante dois meses não conseguiram contato com esses trabalhadores. Puig já pensava em desistir quando, um dia, o Sr. Werner chegou a eles bastante afoito e disse: “Consegui um contato com os peronistas!”. Surpresos todos, ele continuou: “Eles estavam discutindo entre eles quem era mais revolucionário, etc. Disse-lhes ‘eu conheço dois amigos que são mais revolucionários que vocês’”. Os peronistas riram na cara dele e duvidaram. Sr. Werner os chamou para o desafio, e naquela mesma noite haveria uma reunião de sindicato onde os dois do RAM poderiam participar. Bráulio Alanis (de Montevidéu) e Luis Puig, na reunião, foram recebidos já pelo tesoureiro do grupo, que rapidamente ofereceu-lhes algo a beber e ordenou: “Compra umas Coca-Colas”. Bráulio então falou com ironia: “Ah, Coca-Cola? Vocês são revolucionários e estão pedindo uma bebida imperialista?”. Eles se defenderam dizendo que o refrigerante nada tinha a ver, era apenas uma empresa norte-americana. Por aí a conversa continuou, com argumentos e contra-argumentos, num clima leve e de gargalhadas.

A reunião então começou efetivamente e transcorreu com certa normalidade. Em certo ponto o tesoureiro bateu na mesa e disse: “Eu sou revolucionário, e lhes vou dizer por quê.” E contou das injustiças que haviam sido feitas com ele. Todos escutavam com silêncio. Outro disse: “Eu fui muito maltratado pelo chefe de pessoal.” Ele era um artista, e contou que havia trabalhado na etapa de formação de peças de vidro, soprando e dando forma aos objetos. Certo dia, o chefe de pessoal se aproximou dele, tocou seu ombro e disse: “Você vai trabalhar comigo, na parte burocrática”. Após ser retirado do ofício artístico para ser entocado nos trabalhos administrativos, o homem ficou enormemente amargurado – pelos 10 anos seguintes. Ele quase não falava com seu chefe, que era judeu.

Contaram essas histórias, os dois do RAM contaram um pouco sobre o movimento, experiências pessoais de transformação, etc. O grupo foi desafiado pelo poder da mudança pessoal, foram deixados pensando. No dia seguinte, Luis e Bráulio encontraram-se com o Sr. Meyer, o tal chefe de pessoal mencionado na história contada por um deles.

Num chá, perguntaram se o Sr. Meyer se recordava do tal homem que retirara dos serviços artísticos para a parte burocrática. Ele respondeu: “Ah sim, é um rapaz de que gosto muito. Tenho muito apreço por ele.” Questionado sobre a mágoa, ele não entendeu, perguntou por quê. Ao ouvir a explicação, explicou: “Eu não poderia deixá-lo nesse trabalho, pois no último exame médico, o resultado apareceu como ‘pré-tuberculoso’. Se seguisse soprando vidro, era o fim pra ele. Como sempre gostei muito dele, tirei ele desse risco”. Luis perguntou: “O Sr. lhe explicou o por quê?”, e ele respondeu que não, pois não viu necessidade, simplesmente ordenou a ele que mudasse de posto. “Mas desde então, por não saber disso, ele está amargurado com você”. O tal homem amava seu trabalho, era um artista. Entendendo o que se passava, o Sr. Meyer ficou pensando e de repente começou a chorar. “Nunca pensei isso. Nunca pensei”, disse ele, “Vou me reconciliar com ele”. Os dois se encontraram, se explicaram, se reconciliaram.

Ainda na Argentina havia um homem, um dos mais agressivos, com o qual Damásio Cardoso, portuário, queria almoçar. A essa altura, o RAM conseguia se mobilizar melhor entre os trabalhadores peronistas e já eram mais aceitos entre eles, de forma que o almoço foi agendado. O homem chegou com um grande sobretudo e um chapéu no restaurante situado no subsolo de um prédio. O local estava completamente cheio. O homem ordenou sem pestanejar: “Eu quero uma mesa para mim e meus amigos”. Como num passe de mágica, uma mesa se desocupou completamente. Os peronistas tinham medo dele. Sentaram Damásio, Puig e Bráulio, com o tal homem, e começaram a conversar. Damásio começou a contar sua história de transformação pessoal e no porto do Rio.

Durante a conversa e o almoço, o homem ouvia a todos e ao mesmo tempo olhava impacientemente seu relógio, numa atitude tipicamente nervosa. Ele queria interromper Damásio, mas não conseguia. Chegou um certo momento em que relaxou, tirou o sobretudo e o chapéu, engajando-se na conversa com Damásio.

Meses depois, vendo a transformação pouco a pouco desse homem, Luis Puig certa vez perguntou: “Por que você estava, aquela vez, tão nervoso?”. Ele respondeu: ”Eu vou ser franco com você. Eu tinha marcado para entrar na célula terrorista dos peronistas e colocar uma bomba e matar várias pessoas”. Ele explicou quantas e exatamente onde. “Se eu fizesse isso, seria aceito na célula terrorista”, explicou. “A hora chegou, a conversa estava boa, e não fui”, completou. Luis Puig perguntou quem ele pretendia matar. “Em primeiro lugar, era o Sr. Voizen, gerente da fábrica. Eu tinha que colocar uma bomba na ignição do carro dele. Quando desse a partida, com certeza ocorreria a explosão. E, como era dentro da garagem da fábrica, naturalmente outras pessoas iriam morrer”, ele detalhou. Puig queria saber mais, perguntou sobre como saber tantos detalhes da fábrica. “Porque eu era namorado da telefonista”, explicou, “ela me informava as horas de chegada e saída. Luis Puig afirmou que ele explorou a telefonista o desafiou: “Você já pensou em pedir desculpas a esse homem? Já pensou em ser honesto com a sua namorada sobre como a usou?”. Mesmo vendo certa resistência, Puig convenceu a ele a pedir desculpas pelos fatos. “Serei honesto com eles”, finalizou.

Ele e a namorada telefonista casaram-se e foram a Caux, na Suíça. Na Europa com outros peronistas, visitaram os mineiros do Uhr, na Alemanha, para quem contou de suas transformações. Atualmente vive em Buenos Aires, lidando com os sintomas de um derrame cerebral. Trinta anos depois, a sua esposa – aquela telefonista – ainda está agradecida a Luis Puig. De vez em quando os amigos entram em contato com ela e sabem que ela é muito dedicada ao marido. Eles possuem dois filhos adultos.

A relação entre Puig e Bráulio com os peronista evoluiu. Dali em diante, esses trabalhadores andavam com os amigos do RAM pelas tortuosas e perigosas ruas de Avellaneda, meio que os escoltando. Certa vez, passaram sobre uma ponte, quando pediram para parar e disseram: “Aí está a nossa fábrica”. O sentimento de pertencimento existia pois ali trabalharam toda a vida.

Quando Carlos, primeiro filho de Luis e Evelyn, nasceu, receberam um telegrama do Sr. Voizen, o gerente da fábrica. Dizia: “Felicidades para seu filho e eternamente agradecido por outra coisa!”. Sim, Voizen foi procurado e conversou com aquele que seria seu assassino. Ao ouvir dele com absoluta honestidade o que pretendia, Voizen disse: “É, eu tinha medo que isso poderia mesmo acontecer comigo. Mas não sabia que poderia ser você”. A partir daquele momento, redobraram os cuidados com ele.

Algo interessante e marcante em países como Chile e Argentina foi a presença estrangeira. Se há pessoas de outros países de fora do continente – britânicos, franceses, indianos, africanos... a equipe se mantem em efervescência. Ocorreu muitas vezes a saída dessas equipes estrangeiras, e a equipe local encolheu. Tudo corria bem, por exemplo na Argentina, quando havia forte presença estrangeira. Quando as pessoas de fora se foram, a equipe começou a brigar entre si. Os argentinos desconfiam muito entre si, por vezes pensando que o outro tem más intenções, que está roubando, que vai proceder mal, etc. Resulta que, até hoje, a equipe é formada em pequenos grupos, separados, que se criticam pelas boas e más ações dos demais. Elida Mauri, uma das integrantes da equipe, é a esperança do trabalho na Argentina. Ela não compartilha com esse tipo de pensamento, mas infelizmente nem todos são como ela.

O apartamento na Av. Figueroa era muito luxuoso, então depois passaram a um apartamento na Av. Castex, onde voluntários de tempo integral de diversos países chegaram para trabalhar. Luis Puig revoltou-se com esse luxo. Se queriam lidar com os trabalhadores, não poderia ser num apartamento de luxo. Seria uma ostentação sem propósito em plena Buenos Aires. Mesmo com o argumento de que o RAM também precisava aproximar-se das pessoas com alto status social, Puig brigou com a equipe, não aceitando o fato. Seu nível de nervosismo foi tal que chegou a ter uma gastrite. Houve inclusive, em certo momento, um chamado a todos para uma assembleia em Miami, mas ele não quis ir, chegando a declarar que sairia do RAM.

A contínua disciplina do momento de silêncio, de cama que fosse, permitiu que um pensamento lhe chegasse: “vá a Miami”. Somente isso, nada mais. Finalmente compartilhou ao escocês, Angus, que dirigia a equipe local naquele momento. “Ah, que bom!”, o homem expressou. Miami reuniria uma grande quantidade de pessoas, inclusive aqueles japoneses que escreveram a peça teatral “O Tigre”.

Luis Puig foi à Miami e milagrosamente seu problema gástrico sumiu. Pessoas como Gen. Bethlem, embaixador brasileiro na Bolívia e no Paquistão, Gen. Calimério, pai de Maria Eduarda, Nelson Marcelino, Damásio Cardoso, entre outros brasileiros, estiveram no evento. Compareceu também o Presidente da Costa Rica, José Figueres, em um de seus três mandatos. No curso da reunião, Bethlem disse: “Eu tenho o pensamento de levar a peça ‘O Tigre’ para o Brasil”. Com essa peça, começaram um movimento por toda a América Latina. Bethlem usou sua influência como general e ex-embaixador para preparar o território brasileiro para receber essa peça. Conseguiu, junto ao alto escalão das Forças Armadas, hospedagem e transporte, levando a peça aos respectivos teatros municipais de São Paulo e Rio de Janeiro, entre outras casas.

A procura cresceu muito. Formavam-se filas para assistir à peça em vários lugares. Assim que pensaram em apresentar a peça em estádios. “O Tigre” era uma peça muito dinâmica, pois além dos diálogos, os atores reviviam as demonstrações japonesas em Tóquio, impedindo a visita do Gen. Aizen Hawer pelos estudantes. O RAM trabalhou com esses estudantes e muitos se transformaram a tal ponto que vários visitaram ele nos EUA e lhe pediram desculpas. Essa demonstração, na peça, chama-se “A Dança da Serpente”. Nesse momento, essa dança saía do palco e se misturava com o público – o que era um escândalo para a época.

A peça, apresentada em japonês, levou à invenção de um sistema. Os atores falavam em voz baixa em sua língua natal, e outros da equipe nacional dublavam em voz alta, escondidos debaixo do palco, usando um alto falante. Um grande feito, na ocasião. Dessa forma, o grupo percorreu todo o Nordeste, entre outras regiões. A Marinha do Brasil transportou algumas vezes o elenco, formado por 40 mulheres, numa época em que eram proibidas mulheres a bordo de embarcações militares. A Força Aérea também proveu transporte, levando a trupe para diferentes estados brasileiros.

Em certo momento, receberam um convite do Peru. Com a ajuda da FAB, o grupo foi até Iquitos, onde se apresentou, e depois seguiu com a Força Aérea peruana até Lima. Foram depois com a peça para Santiago, no Chile.

Nessa época, estava ali Eudocio Ravines, latino-americano e ex membro do Comintern, na Rússia. Quando comunista, aprendeu russo e falava fluentemente o idioma. Foi diretor da 2ª fase da Guerra Civil Espanhola. Foi quando os comunistas cometeram um erro. Ao ser convidado para ir à Espanha, ele aceitou mas informou que estava com sua mulher, grávida. Os comunistas prometeram cuidar de sua esposa mesmo sabendo da difícil gravidez que ela estava tendo. Eudocio então foi para Moscou, recebeu ordens e seguiu para Barcelona e Madri com nomes falsos e disfarce, pois a ditadura de Francisco Franco crescia cada vez mais no país. Eudocio chegou apenas a dirigir as últimas ações dos comunistas, e sua missão era queimar todos os arquivos da esquerda naquele país. Não ficou um só papel. A ideia era resguardar os comunistas envolvidos nas lutas dentro da Espanha.

Missão cumprida, ele retornou para Moscou para informar ao alto comando comunista e depois seguiu a Paris para encontrar sua esposa. Para sua surpresa, a viu em condições péssimas, alojada no 4º andar de um edifício sem elevador. Acabou perdendo o filho.

Nesse momento, Eudocio acabou por odiar os comunistas. Ele chegou a escrever todas as falcatruas do comunismo em seu livro “A Grande Estafa”, mesmo antes tendo sido um comunista convicto desde jovem. Os esquerdistas declaram guerra a ele, e queimaram seu livro, faziam fogueiras deles. Ele imprimia outros.

Quando Eudocio conheceu o RAM, a equipe local, no Peru, o convenceu a ir a Ilha Mackinac, para uma de suas conferências. Quando foi e viu o que estava acontecendo, decidiu escrever um novo livro: “O Caminho de Mackinac”. Ele voltou ao Peru, acompanhado de Luis Puig, que trabalhou durante nove meses no jornal que Eudocio editava, o “Vanguarda”. Ele escrevia alguns artigos, traduzia outros.

No Chile, juntamente da peça teatral, o primeiro contato foi através de sindicatos. Luis Puig e seu amigo, um austríaco, foram ao país para os primeiros contatos e, com um determinado nome em mãos, acabaram por cair num antro de ex nazistas convictos, totalmente avessos às ideias do RAM. Por esse motivo, a melhor porta foi através de sindicalistas, especialmente os envolvidos com os trabalhadores do cobre. Chegaram à direção das minas de cobre.

Mesmo em tempos da ditadura de direita de Pinochet, o grupo cresceu muito, houve reuniões de suma importância em diferentes partes do Chile. Bastante coesos, se determinaram a fazer uma reunião geral de sindicalistas em uma cidade costeira próxima a Santiago, tendo como base o RAM. Havia todo tipo de gente: de direita, de esquerda, comunistas e não comunistas. Participaram alguns estrangeiros, como a Sra. Irène Laure, da França, e Sr. Villierge, da Inglaterra, além de José Veras, Nelson Marcelino, entre outros brasileiros.

No meio da reunião, de repente escutou-se um grande ruídos de carros e de repente entra um general, plenamente uniformizado. Ele vinha em nome de Pinochet, fez uma declaração e se retirou. Tal fato desagradou muito aos comunistas presentes – não importa que se explicasse que isso não fazia parte da programação prevista pela equipe do RAM ali. A declaração do general incluía um convite para, no dia seguinte, comparecerem a uma entrevista com Pinochet. Logo se instalou um clima de tensão, pois ninguém sabia do que se tratava. Contudo, em território ‘inimigo’, nada poderia ser feito que apenas atender àquela solicitação.

Foram brevemente preparados os melhores representantes do RAM. Ao chegarem até o gabinete, um dos auxiliares do ditador carregava um maço de papéis – certamente o discurso de Pinochet para a imprensa. Pouco a pouco começaram a falar. Sra. Laure falou sobre seu ódio dos alemães e sua posterior reconciliação, após a II Guerra Mundial. Sr. Villierge falou sobre sua consistente experiência no meio sindical. Sr. Briseño, que dirigia o movimento sindical local, abraçou Luis Puig e disse: “Agora vai falar o porta voz do RAM!” Puig foi pego completamente de surpresa, mas precisou seguir em frente. “General, nós estamos lutando para criar um mundo novo. Não importa o que o Sr. pensa para o futuro do Chile, mas eu acho que o país tem um grande papel no destino da América Latina. Qualquer coisa que façamos por esse país pode interromper o destino ou facilitá-lo”. Pinochet olhou para todos os presentes ali. Como resultado do que acabava de ouvir, devolveu o maço de papéis que recebera momentos antes, de seu auxiliar, e em seguida disse: “Me permitam apropriar-me dessa frase?”. Responderam prontamente que sim. O ditador agradeceu pela visita e dispensou o grupo.

A equipe do RAM pediu que se evitasse todo tipo de jornalista ou câmeras na saída do palácio, pois não queriam ser associados à política de Pinochet. Contudo, infelizmente, a imprensa estava ali em peso, aguardando-os. Fotos, televisão, rádio, todos os jornalistas. Sr. Briseño novamente apontou Luis Puig como porta voz do RAM.

Nesses dias, os de esquerda tinham feito algo bastante desagradável na embaixada dominicana no Peru. Mantiveram sob cárcere privado os diplomatas que ali trabalhavam, libertando-os somente sob a entrega de vultosa quantidade de dinheiro. Por este motivo, os jornalistas perguntaram a Puig: “Quem financia vocês?” Ele explicou que o grupo do RAM se financiava com seus próprios meios. “Aqui tem um favelado, muito pobre que, com suas contribuições recebidas, pôde vir até o Chile para passar a sua mensagem”, explicou Puig. Ele se referia a Luiz Pereira de Araújo, que em seguida teceu algumas palavras. Outros exemplos foram dados, de pessoas em situação parecida, da forma como levantavam seus recursos. Puig complementou: “Não somos como certos grupos que recorrem a atos de terrorismo para agenciar fundos. Nós desembolsamos nossos próprios fundos pois nossa revolução é financiada por pessoas que acreditam nessa ideia”. Os jornalistas tomavam nota.

No dia seguinte, para surpresa de todos, as primeiras páginas de todos os jornais do Chile publicaram o que os integrantes do RAM falaram – palavra por palavra, seus objetivos, seus princípios, o que pretendiam fazer no Chile, etc. Ao lado dessa matéria, sem comentários, constava também o discurso de Pinochet. Incluiu a frase dita por Luis Puig, fez grandes pôsteres e enviou a todos os rincões do país.

Essa delegação do RAM deixou o país, mas sem ao certo saber o que se sucederia em seguida. Contudo, o grupo de sindicalistas cresceu, continuou lutando, com forte atuação nas minas de cobre e outros metais em várias partes do Chile.

A peça “O Tigre”, que percorria a América Latina, chegara a Santiago na mesma época. Em sua primeira apresentação, havia um homem que tinha uma conexão com a história do Chile. Era Eudocio Ravines, ex comunista. No passado, ele teve a missão de fortalecer o partido comunista, levando a uma modernização dos processos comunistas locais em Santiago. Por exemplo, ele excluiu a camisa vermelha, propôs que usassem blusa e gravata, trabalhou pelos recursos financeiros. Chegou a persuadir, com o grupo, uma senhora muito rica, elogiando as horríveis poesias que seu filho criava. Através de ações como essa, pouco a pouco começou a tirar dinheiro da sociedade. Ao mesmo tempo, na cabeça de Eudocio estava o pensamento: “Como me afasto dos comunistas?” No fundo, ele odiava os comunistas pelo que se sucedera em Paris, pela forma como sua esposa fora maltratada e perdera seu filho. Contudo, ele sabia que lhe custaria a vida se ele saísse da organização.

De volta à apresentação teatral, Eudocio estava na plateia e, posteriormente, pediu humildemente desculpas ao povo chileno, pelo dano que ele tinha causado quando reorganizou, tempos antes, o comunismo no país. Muitos o aplaudiram de pé, pois ele era conhecido pela fama que tinha no Chile. Tal declaração teve enorme efeito na sociedade.

Com o passar do tempo, apesar das expectativas de crescimento do trabalho do RAM no Chile, aconteceu o contrário: o trabalho encolheu. Permaneceram, até os dias atuais, 3 ou 4 pessoas que ainda pensam nos ideais do RAM – hoje Iniciativas de Mudança, mas pouco fazem para mobilizar a nova geração. Lamberto e Aquiles Petit ainda possuem contato com algumas pessoas da atual equipe de IdeM na América Latina. Eles poderiam mobilizar e acordar aquela que já foi uma grande equipe no Chile.

Todo o trabalho na América Latina precisa de uma visão mais ampla hoje. Há de se encontrar também uma forma de financiá-lo, não pensando em um país ou noutro, mas em todo o continente. É preciso encontrar os mecenas que possam ajudar a levar esse trabalho ao progresso. Além disso, fazer crescer, entre os próprios latino-americanos, o desejo de doar recursos para o trabalho de IdeM hoje. À medida que as pessoas em si contribuem para o trabalho, inevitavelmente o espírito cresce.


 

Idioma do Artigo

English

Ano do artigo
2015
Permissão de publicação
Concedido
A permissão de publicação refere-se aos direitos da FANW de publicar o texto completo deste artigo neste site.
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